Evento do Câmpus Goiânia celebra e debate desafios nos 15 anos de oferta de cursos EJA
Comemoração faz parte de uma série de eventos propostos pela Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
“O conhecimento não só amplia, como multiplica os nossos desejos. Portanto, o bem-estar e a felicidade de todo o Estado ou o reino requer que o conhecimento dos trabalhadores fique confinado dentro dos limites de suas ocupações e jamais se estenda além dos domínios em que se relaciona com a sua missão”. Foi com essa citação do filósofo holandês Bernard Mandeville que o professor Josué Vidal, do Câmpus Goiânia do Instituto Federal de Goiás (IFG), exemplificou a importância da educação de jovens e adultos e, ao mesmo tempo, porque ela é negligenciada. A fala ocorreu durante o evento 15 anos da EJA-EPT: por uma política pública de fato, realizado na última sexta-feira, 23 de setembro, pelo câmpus.
A comemoração faz parte do evento nacional que será realizado entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro, no IFSul – Câmpsu Sapucaia do Sul. A atividade de abertura contou com os professores do câmpus, Josué Vidal e Sebastião Cláudio Barbosa, que contextualizaram a história da modalidade educação de jovens e adultos no país, tendo como foco sua atuação nos Institutos Federais, mais especificamente no IFG.
Para Josué, pensar na EJA no IFG é se falar em lutas e desafios. Isso porque, historicamente, desde os tempos de Escola Técnica, o público que constitui a EJA – isto é, jovens e adultos trabalhadores que não puderam estudar em tempo regular devido à falta de oportunidade – não tinha acesso à instituição. Ele cita que, durante sua pesquisa de mestrado, em 2010, entrevistou algumas estudantes do então curso técnico voltado para esses estudantes em Serviço de Alimentação e esses achavam que não tinham espaço no IFG. “Muitas delas falavam emocionadas que passavam aqui quando eram mais jovens, passavam em frente a esse prédio e pensavam que tinha o sonho de colocar seus filhos aqui. Mas imaginava que isso aqui nunca era pra elas”, lembra.
Coordenadoras dos cursos técnicos integrados EJA do Câmpus Goiânia, membros da comissão local do evento 15 anos da EJA-EPT na Rede Federal, professora Dagmar Borges e Mad´Ana Desirée Ribeiro de Castro; professor Alcyr Viana; professora e coordenadora de Eventos, Gleice Sousa; e coordenadora da Assistência Estudantil, Maria Cristina Hidalgo
Os cursos tendo como foco jovens e adultos foram implementados na Instituição em 2006, ainda no então Cefet, consolidando-se em 2008. Conforme ressaltou a diretora do Câmpus Goiânia, professora Adriana dos Reis Ferreira, o IFG possui regulamento no qual estabelece que pelo menos 10% da oferta de vagas sejam destinadas à educação de jovens e adultos, percentual também instituído pelo Plano Nacional de Educação. “Começamos enquanto um projeto, o Proeja, um projeto de educação de jovens e adultos e a consolidação que se tornou não é um projeto, mas sim são cursos regulares. São cursos que são frequentes em nosso câmpus e nos demais”, enfatizou. Atualmente o Câmpus Goiânia oferta três cursos técnicos integrados ao ensino médio EJA: em Cozinha, Desenvolvimento de Sistemas e em Transporte Rodoviário.
Josué pontua que, mesmo com a precariedade, o projeto que coloca em foco a educação de jovens e adultos, implementado por meio do Decreto 5840, é algo positivo. “Do ponto de vista da classe trabalhadora, que historicamente foi alijado desses espaços. E aí é nesse sentido que a gente coloca a importância, por exemplo, do surgimento do Proeja enquanto programa lá em 2006, por meio do decreto, que ele traz algo inédito na história da educação da classe trabalhadora”, complementa.
Mesmo com o marco, o docente citou algumas problemáticas que levam a comunidade acadêmica e a Rede Federal a pensar sobre o que de fato pode se considerar consolidado quanto se trata da inclusão do público trabalhador na educação. “Eu gostaria de trazer alguns números aqui para a gente pensar sobre o lugar da EJA do IFG na Rede Federal. De acordo com os dados do do Inep, a gente tem, em 2007 na Rede Federal, 4.772 matrículas. O auge das matrículas do programa, na Rede Federal, ele é alcançado no ano de 2011, com 15.177 matrículas. A partir daí, a gente começa a ter, então, um processo de queda no número de matrículas. Em 2020, nós tínhamos 10.622. Isso significa que a EJA, em termos de Rede Federal, a gente poderia realmente pensar se houve consolidação e não, não se consolidou. Não precisa fazer um exercício muito grande para a gente pensar que ela ainda não se consolidou”, analisa.
Mesmo diante desse cenário, o docente focou o papel de destaque que o IFG tem, quando se trata de EJA, na Rede Federal. “Os números do Inep, que compreendem IFG e IF Goiano, mas basicamente, mais de 90% das matrículas do estado estão no IFG”, reforça. Segundo Josué, em 2007 a Instituição contava com 723 matrículas em cursos EJA. Em 2020, o número foi de 1.417 matrículas. “Isso significa um salto muito grande, em que pese o significado estatístico do ponto de vista das demandas do público da educação de jovens e adultos no estado. Mas isso é muito pouco para o universo”, admite.
Estudantes dos cursos de licenciatura e dos técnicos integrados EJA; docentes e servidores participaram do evento
Problemáticas
Durante a reflexão promovida no evento, Josué enumerou algumas dificuldades que podem explicar os desafios enfrentados pela educação de jovens e adultos, não apenas no IFG, mas em um cenário nacional. Dentre esses problemas, o docente relaciona a falta de indução do governo federal – com a precariedade da política de assistência estudantil para esse público; a ausência de apoio para mães discentes que não têm onde deixar seus filhos para irem estudar. Outro fator que dificulta, na visão do professor, é a falta de formação docente para o trabalho com esse público.
O professor do Câmpus Goiânia, Sebastião Cláudio Barbosa, também debatedor do evento, trouxe outra perspectiva sobre a visão tecnicista dos cursos voltados para a EJA em detrimento da formação humana integral, que é o que se propõem as políticas no momento da implementação dessa educação na Rede Federal. “Mas quando se diz assim: ‘o trabalho, ciência, tecnologia e cultura em concomitância’, aí não dá conta. Não dá conta porque não dá conta de cumprir essa promessa. Quem vai dar conta de cumprir essa promessa? A sociedade, para além das determinações do mercado. Então, a gente vai ter que fazer uma educação, que é ao mesmo tempo que reconhece o mercado, prepara para vender e prepara, não submetida a ele. Por quê? Porque nós propomos a formação humana integral. Esse é que é um limite, já que a gente ainda padece de denuncismo. Mas a gente precisa avançar nesse sentido. E a gente só vai avançar nesse sentido, eu acho que esse é o grande limite dessa possibilidade de construção, que é a discussão do currículo integrado”, explica.
A fim de estender a discussão sobre essas e outras problemáticas específicas de cada curso EJA do Câmpus Goiânia, o evento trouxe também o encontro das coordenações dos três cursos ofertados pela unidade, com as professoras Maria de Lourdes Magalhães, do curso técnico em Transporte Rodoviário; Mirian Cristiane Alves Brito, do curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas; e Rebeca Rubim, do curso técnico em Cozinha.
Diferencial na vida do estudante
De acordo com a membro da comissão local dos 15 anos da EJA-EPT no câmpus, professora Dagmar Borges, o momento é de celebração, de análise das limitações e dificuldades na execução e oferta dos cursos técnicos EJA, mas também, de ouvir os estudantes que viveram de perto essa realidade nesses cursos.
Por isso, o evento contou com as presenças das egressas do curso técnico em Cozinha, Miralva Papini e Simone da Silva Sousa. Simone – que após retornar aos estudados na EJA, se formou em Turismo, também pelo Câmpus Goiânia, e hoje está em seu segundo curso superior, na Universidade Estadual de Goiás – lembra como o curso técnico EJA oportunizou experiências de amadurecimento e consciência da realidade, ao participar do projeto Mulheres Mil, em que discentes e professores dos cursos do câmpus iam até os presídios capacitar o público em situação de cárcere. “A gente conseguiu ministrar cursos dentro de um presídio feminino, que foi uma experiência de aprendizado maravilhoso que eu aprendi e ensinei ao mesmo tempo”, recorda.
Miralva fez sua fala concordando com o coordenador da EJA na Pró-Reitoria de Ensino do IFG, Diego Veloso, que disse que a EJA é resistência. “Como o professor falou realmente somo resistência. Nós temos um processo cruel de educação no nosso país. Processo esse que massacra aqueles que não tiveram condições de começar sua vida ali, estudar como aqueles que têm de fato meios para iniciar e continuar o seu processo educativo. E eu tenho uma imensa admiração por esses alunos (da EJA), porque eles têm que deixar suas casas, seus trabalhos para estar nesse lugar. Mas estar nesse lugar é resistência. Eu desejo que vocês resistam, que continuem, porque de fato nós não saímos de um lugar para o outro sem educação. Não é que a educação vai de alguma forma te transformar um milionário, mas vai abrir algumas portas”, disse a egressa que, ao encerrar seu curso técnico EJA, também se formou em Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa pelo IFG.
Estiveram presentes na ocasião estudantes das licenciaturas do Câmpus Goiânia, além de docentes, chefes de departamentos acadêmicos e servidores da unidade.
Coordenação de Comunicação Social do Câmpus Goiânia
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